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Yasujirō Ozu e o tempo em estado de contemplação

  • agosto 1, 2025
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Análise do cinema japonês de Yasujirō Ozu e sua estética única.

Yasujirō Ozu e o tempo em estado de contemplação

Meu primeiro contato com o cinema de Yasujirō Ozu aconteceu na faculdade de cinema. Lembro perfeitamente de como foi impactante perceber que, em um mundo em que a câmera é muitas vezes sinônimo de movimento, Ozu escolhia ficar imóvel. Desde então, me tornei encantado por sua forma de filmar e de ver o mundo, um estilo que é, ao mesmo tempo, simples e profundo. Este texto é fruto desse fascínio e de uma revisão detalhada sobre como o diretor constrói sua estética.

A marca principal de Ozu está na ordem e na composição de seus enquadramentos. Ao contrário da maioria dos cineastas que usam câmeras em movimento, ângulos variados e composição dinâmica para criar sensação de profundidade, Ozu opta pelo rigor: planos fixos, enquadramentos frontais, simetria e equilíbrio.

A composição rigorosa de Ozu

A organização dos enquadramentos de Ozu
A organização dos enquadramentos de Ozu

Nos interiores, ele utiliza a arquitetura tradicional japonesa, com portas retangulares e corredores, para criar “quadros dentro do quadro”, centrando personagens de forma equilibrada, quase sempre cercados de elementos iguais em lados opostos. Esse estilo transmite a sensação de estabilidade e formalidade. Mesmo a posição dos atores (o blocking) obedece a essa organização: eles encaram a câmera de frente, de perfil ou de costas, sempre em ângulos retos, sem diagonais que criem dinamismo.

Outro ponto essencial é que Ozu não segue os movimentos dos atores. A câmera permanece fixa, e os personagens entram e saem do quadro. Assim, o plano passa a ser um espaço de observação objetiva, e não um palco guiado pelo olhar do diretor. Até a escolha de lente tem um papel crucial: ele utilizava principalmente a lente 50mm, que mantém as linhas retas, evitando distorções.

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A linguagem do “tatami shot”

Enquadramento de câmera de Yasujirō Ozu.
Enquadramento de câmera de Yasujirō Ozu - “tatami shot”

Esses enquadramentos cheios de linhas horizontais e verticais não são apenas estética. Eles expressam uma ideia: por trás da aparente ordem visual, existe o caos interno dos personagens. Os conflitos em seus filmes, muitas vezes familiares, se passam sob a superfície, a tensão entre tradição e modernidade, a passagem do tempo, as mudanças sociais. A câmera, estática, revela as pequenas rachaduras no cotidiano.

A objetividade também é central em sua linguagem. Ozu busca a imparcialidade, como um documentarista silencioso. Para isso, posiciona a câmera mais baixa do que o habitual, quase na altura dos olhos de alguém sentado no chão. É o famoso “tatami shot”: esse enquadramento cria a sensação de que estamos no mesmo nível dos personagens, sentados junto deles. Steven Spielberg filmou seu filme E.T. com este enquadramento na maior parte do tempo, com intuito de que nós enxergássemos o filme pela altura e olhar das crianças.

As pausas poéticas

O enquadramento de Yasujirō Ozu
O enquadramento de Yasujirō Ozu - “pillow shots”

Quando necessário, a câmera sobe um pouco, evitando distorções nos rostos, mas sempre mantendo a sensação de proximidade. Em alguns momentos, o diretor posiciona os personagens de tal maneira que eles parecem olhar diretamente para a lente. Esse recurso reforça a sensação de intimidade com o espectador.

Além disso, Ozu recorre aos “pillow shots”, imagens que funcionam como pausas poéticas: paisagens, ruas, trens passando, interiores vazios. Esses planos não servem diretamente à narrativa, mas criam ritmo e refletem o tempo passando. Eles lembram versos soltos de um poema, dando espaço para o espectador respirar.

Mesmo quando passou para o cinema colorido, manteve a discrição: paleta neutra, tons terrosos, cinzas e azuis suaves. Nada é exagerado: nem as cores, nem a luz. Sua iluminação privilegia a naturalidade. Nos filmes mais dramáticos, como Crepúsculo em Tóquio (Tokyo Twilight), ele se permite um pouco mais de sombra e contraste, mas sem perder a essência.

Ao contrário de muitos diretores que querem marcar presença através de planos ousados, Ozu nos mostra que a grandeza pode estar na contenção. Sua câmera está ali, mas quase desaparece, permitindo que a vida se revele aos poucos.

Esse estilo influenciou cineastas contemporâneos como Wes Anderson, Kogonada e Hong Sang-soo, que dialogam com essa ideia de composição rigorosa e contemplação do tempo.

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Semelhança entre os enquadramentos de Yasujirō Ozu e Wes Anderson
Yasujirō Ozu e Wes Anderson - Enquadramentos

Meu encantamento começou assistindo a filmes como Era uma Vez em Tóquio, Pai e Filha e O Gosto do Chá Verde sobre o Arroz. Neles, vi o cotidiano transformado em poesia visual.

Ao estudar mais sua obra, entendi que Ozu não apenas filma histórias de famílias; ele filma o próprio tempo. E essa é, talvez, a maior lição que ele deixou para o cinema: a de que a simplicidade pode ser tão poderosa quanto o espetáculo.

Contemple imagens do cinema de Ozu

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